A Cara de Barroso desta edição, de forma inédita, conta duas histórias em uma só. Daquelas histórias tão
raras nos tempos modernos que a gente pensa que só acontece nos filmes de época. Mas que são reais,
inspiradoras e que esperamos trazer um pouco de alegria ao coração de nossos leitores e leitoras.
Quem nunca passou ali perto do “Açai” e viu um senhorzinho, uma senhorinha ou ambos sentados
“quentando um sol?”. Pois bem, quem ainda não teve esse privilégio, observe um pouco mais na próxima
ida na “rua”. Se eles não estiverem lá fora, pode entrar no “bequinho” que lá dentro com certeza tem
uma mesa de café sempre posta e um casalzinho pra lá de simpático e acolhedor para uma boa prosa.
“A Cara de Barroso” desta edição traz o “Chiquinho do Joaquim Joviano ou o Virgulino” e a “Dona Madalena
do Chiquinho” em seus 60 anos de vida conjugal. E a história destes dois conta também a história dos
seus 10 filhos, que são costumeiramente chamados de “Pessoal dos Varandinha”. Desde o ano de 1962 não
existe ele sem ela e não existe ela sem ele, vivendo o que diz as Escrituras: “e os dois serão uma só carne”,
bem como todos os demais compromissos do Matrimônio assumidos na Capelinha de Nossa Senhora das Graças,
no tal povoado do “Sítio” na cidade de Prados, em 02/12/1962.
Francisco Virgulino de Melo, o filho mais velho do Sr. Joaquim Joviano e da Dona Ana Virgulino
(a dona Nita), nasceu em fevereiro de 1942, no povoado do Caxambu em Dores de Campos, mas depois
foi residir em Prados. Aprendeu nas ladeiras da encantadora cidade diversos ofícios, todos voltados ao
comércio. Ainda menino vendia quitandas que sua mãe fazia para ajudar nas despesas da casa.
Na adolescência, aprendeu o ofício de sapateiro, que seu pai levava para vender nas cidades da região.
À época, aqui em Barroso já começavam as obras da Companhia Cimenteira e seu pai então juntou o talento
do filho em confeccionar sapatos ao crescimento que já se vislumbrava na cidade, e quando Chiquinho
tinha ainda 17 anos e o enviou a Barroso para iniciar os negócios como sapateiro. “Alugou uma garagem da
Margarida do Francisco Ferreira (onde foi a danceteria Cabana) e colocou eu e o Betinho (in memoriam)
para fazer sapatos e botinas para o pessoal da fábrica”, conta ele todo orgulhoso. Após algum tempo,
vem pra Barroso também de “mala e cuia” o restante da família, abrem o Bar Azul (onde atualmente é o Açaí)
que logo depois virou uma mercearia e foi assim que a história de Chiquinho, seus pais e irmãos, começou aqui.
Já lá pras bandas de Prados, no povoado do Sítio, nascia a doce Madalena Geralda de Melo, em março de 1943, a filha do Sr. Pedro Basílio e Dona Geraldina, naquela cidade, Pedro Basílio era um dos homens mais respeitados. Dono de uma fé admirável, ele e Geraldina criaram 13 filhos, sendo Madalena uma das mais jovens. Ela fora educada dentro dos preceitos da religião cristã e como costume aprendeu todos os ofícios para ser uma mulher exemplar, seguindo o modelo de Nossa Senhora. Aos 19 anos, após o casório na Capela do Sítio, veio morar aqui em Barroso com seu amor: o Chiquinho. E que tem de extraordinário nisso? Pois bem, vos digo:
Após o casamento, aqueles dois jovens enfrentaram cada “barra” que se não fosse a fé de ambos, não chegariam aos 60 anos juntos. Filhos são 10, sete homens e três mulheres, netos são 22 e bisnetos são 5 até o momento. Para dar conta dessa galera toda, o Chiquinho trabalhou por 25 anos na tal “Cimenteira” que o trouxe para Barroso, fez sapato, teve bar, vendeu quitanda, fruta e verdura “na fila da fábrica”, ajudou os filhos na olaria… Madalena, enquanto o companheiro saia pra vida, cuidava dos filhos, ensinava-lhes os bons caminhos, garantia-lhes as melhores broas de fubá, plantava a horta para ter verdura fresca, costurava e através de seu exemplo foi a primeira Catequista de toda família. Como disse no início, se não fosse ela, não tinha ele… E se não fosse ele não tinha ela, coisa rara de se ver nos dias de hoje. E já não são tão jovens! As marcas do tempo e os calos da vida chegam pra todo mundo, mas preciso revelar um segredo: são mais jovens que muitos de 15 anos. Ele há 20 anos faz hemodiálise diariamente, além de já ter colocado marcapasso, feito angioplastia, pancreatite crônica, até covid-19 ele teve. Não escuta direito, não enxerga muito bem também… mas o que ele fala com Deus todo dia, parece ser levado a sério pelo Criador: “Ó Pai, eu vos peço, força e paciência, para suportar a minha enfermidade!” porque eu nunca o vi reclamar, pelo contrário, ainda com todos os ventos contrários, só o vejo agradecer. Sentado no alpendre com seu cigarrinho de palha, sua cachacinha (a despeito das regras médicas) segue a vida desfrutando cada segundo.
Ela, mesmo nos apertos, nunca deixou de reservar seu tempo para as coisas de Deus, foi Ministra da Eucaristia por 12 anos e sempre ministra uma bela história de Santo pra gente. No seu quarto, além dos Santos de sua devoção, tem livros, revistas, canetas e linhas, onde ela escreve, costura e borda uma história de amor a Deus com uma incrível sabedoria que jamais encontrei em outros cantos. Tem um sabor de céu ficar perto dela. Às vezes ela passa uns perrengues de saúde também, mas assim como o Chiquinho, tem sua frase de inspiração: “Que nada vos perturbe, que nada vos aflija, tudo passa, a dor e a alegria, só Deus fica eternamente.” Os dois seguem juntos, rezam juntos, caminham juntos (bem lentamente hoje em dia) e às vezes arriscam uma dança também. Todos os dias assim que ele chega da hemodiálise é pelo carinho dela que ele busca primeiro. E ela, sente ciúme dele ir perfumado e levar balas para as “meninas” da RenalClin. Já o vi chorar de saudade dela e já vi ela escrevendo cartinha de amor pra ele… Não caberia aqui o tanto de histórias que estes dois têm, não conseguiria explicar em palavras o tamanho do privilégio de poder conviver tão de perto com este casal. Em tempos de” amores líquidos”, são raros os amores que sobrevivem ao tempo, as marcas, que transpassam a paixão e suportam a rotina. Aos novos casais de hoje em dia, antes de assumirem seus compromissos com o outro, deixo a reflexão de Nietzsche: “Ao iniciar um casamento, o homem deve se colocar a seguinte pergunta: você acredita que gostará de conversar com esta mulher até à velhice? Tudo o mais no casamento é transitório, mas a maior parte do tempo é dedicada à conversa.” As belezas físicas, as heranças e posses, o trabalho e o dinheiro, a relação sexual, os filhos, tudo isso passa… Mas e vocês, como vão estar quando tudo isso passar? Que estas “Caras de Barroso” inspirem vocês, não apenas em relação ao casamento, mas em enfrentar com fé e resiliência as dificuldades da vida, na certeza de que “Tudo Passa”. E se quiser conhecer mais um pouco sobre eles, como disse, estão ali “quentando sol” na Praça… Onde tudo começou e o amor nunca acaba.
por Josy Tostes